No artigo “Direito das Famílias – Regime de Bens”, alertamos sobre os efeitos jurídicos patrimoniais nas relações afetivas, sejam tais uniões pelo casamento ou pela união estável, lembrando que todo e qualquer tipo de união estará submetido a um regime de bens – escolhido pelos parceiros ou determinado pela lei (regime supletivo e separação obrigatória de bens).
Vale recordar que o ordenamento jurídico brasileiro oferece quatro tipos diferentes de regime de bens à escolha dos casais, a saber: comunhão universal, comunhão parcial, separação convencional (diferente da separação obrigatória) e participação final nos aquestos.
Neste momento, cuidaremos especificamente da comunhão parcial de bens, por tratar-se do regime que a maioria dos casais adota, por diferentes razões.
Muito comum, a conveniência é uma das quais, pois a eleição de regime diverso do supletivo se consuma por pacto antenupcial, que exige ser feito por escritura pública, no cartório de notas. Posteriormente, deve ser levado ao cartório de registro civil, onde será celebrado o casamento.
Mais fácil optar pelo regime supletivo e fica tudo somente no Cartório de registro civil, certo? Pelo menos é assim que muitos casais acabam optando pelo regime da comunhão parcial de bens, sem, contudo, ter ciência dos seus efeitos jurídicos, na vida e na morte.
Outro óbice à escolha de regime diferente do supletivo consiste no desconforto que os casais sentem em levar à relação afetiva discussão sobre a divisão patrimonial, em momento no qual são movidos pela afetividade comungada. Então, optam pela não discussão do assunto e se unem pelo regime que a lei estabelece, que é a comunhão parcial de bens.
Antes de adentrarmos no regime eleito para a discussão neste artigo, vale lembrar que o casamento e a união estável se desfazem pelo divórcio, pela dissolução da união estável ou pela morte de um dos consortes. E, a depender do regime de bens adotado pelo casal, os efeitos jurídicos serão diferentes na partilha em vida (separação do casal) e na partilha por morte de um dos consortes (sucessão).
Os respeitáveis juristas Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Curso de Direito Civil, Famílias, 14ª ed., Ed. JusPodivm, pág. 371), resumem de maneira simples e esclarecedora do que se trata o regime da comunhão parcial de bens (previsto nos artigos 1.658 a 1.666, do Código Civil).
“É regime pelo qual se estabelece um componente de certo modo ético entre os cônjuges: o que é meu é meu, o que é seu é seu e o que é nosso, metade de cada um, reservando a titularidade exclusiva dos bens particulares e estabelecendo comunhão dos bens adquiridos, a título oneroso, durante a convivência.”
Em regra, constitui patrimônio particular os bens e valores que cada um possuía antes do casamento ou da união estável; bem como o que receberem a título de doação, herança ou legado (exceto se ambos forem contemplados), não cabendo partilha caso a união seja rompida. Convém lembrar que os frutos resultantes dos bens particulares entram na comunhão, como o aluguel (fruto) de um imóvel recebido por herança ou adquirido por um dos consortes anteriormente à união.
Por outro lado, há comunhão dos bens adquiridos pelo casal (ainda que só em nome de um dos parceiros afetivos) durante a relação, por presunção legislativa de colaboração recíproca, por comungarem esforços.
Importante compreender que o patrimônio comum extrapola as aquisições de bens pelo casal. Por exemplo, serão consideradas na comunhão verbas trabalhistas, prêmios lotéricos, e previdências privadas abertas, entre outros ativos financeiros, que deverão ser partilhados em caso de dissolução da união.
Com respeito às verbas trabalhistas, são esclarecedores os ensinamentos dos renomados professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
“(…) a orientação contemporânea do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de reconhecer a comunhão de tais verbas, quando a causa aquisitiva do direito respectivo perdurou durante a constância do matrimônio.”
Vale ressaltar-se que a mesma orientação se aplica à união estável.
Ocorrendo o rompimento da relação afetiva pelo divórcio ou pela dissolução da união estável, cada qual conserva como seu aquilo que já lhe pertencia antes da união se concretizar. A meação (divisão dos bens) se dará sobre o patrimônio constituído no período da convivência. Essa regra, contudo, é recheada de particularidades, como se relatou, que precisam ser analisadas minuciosamente em cada caso concreto.
Por outro lado, a partilha de bens por morte implica em efeitos jurídicos diferentes daquela derivada do divórcio ou da dissolução de união estável. No contexto em inter vivos é um. Na sucessão (pela morte) é outro. No primeiro caso, a divisão dos bens é questão atinente tão só ao casal, reforçando-se que os bens particulares, aqueles adquiridos individualmente antes da união, não são partilhados.
Por ocasião de morte de um dos parceiros, aquele sobrevivente terá direito a receber parte dos bens particulares, por herança, além da sua meação (metade dos bens comuns do casal). Tal disposição se encontra no artigo 1.829 do Código Civil.
O fato é que, em consonância com o Código Civil, o cônjuge possui condição legal de herdeiro necessário e, a depender da modalidade de regime de bens adotada, o parceiro sobrevivente irá concorrer na herança (que é diferente de meação) com os descendentes ou, na inexistência destes, com eventuais ascendentes do morto.
Neste ponto, convém diferenciarmos meação e herança, pois não se confundem. Trazemos, para tanto, o brilhante esclarecimento dos nobres professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Curso de Direito Civil, Sucessões, 8ª ed., Editora JusPodvim, pag. 80/81).
“(…) a meação é direito próprio, titularizado pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente. Por isso, é preciso, no âmbito do inventário, separar a meação do consorte supérstite, que não será objeto da transmissão sucessória (…) Cuida-se da ‘comunicação dos bens inter vivos advinda do regime patrimonial aplicável ao casamento ou à união estável (…).” (grifos nossos)
“(…) É dizer: a herança diz respeito ao patrimônio pertencente ao falecido e que é transmitido aos seus sucessores com o seu falecimento; a meação é um direito próprio do titular, correspondendo à parte dedicada ao cônjuge ou companheiro que se mantém vivo, em razão do regime de bens estabelecido entre o casal.” (grifos nossos)
No regime de comunhão parcial de bens, o patrimônio particular daquele que falece passa a integrar a sua herança e, de acordo com o inciso I, do artigo 1.829 do Código Civil, o parceiro (a) sobrevivente, passa a ter direito sobre os bens privados do de cujus.
Em suma, no regime da comunhão parcial, os bens particulares de cada consorte não são partilhados pela separação do casal por divórcio ou dissolução de união estável, tendo cada qual direito somente à metade do patrimônio comum (meação); mas os bens particulares constituirão a herança daquele que morre, e o parceiro sobrevivente terá direito de partilhá-lo.
Como tratamos no artigo anterior (Direito das Famílias – Regime de Bens), na programação de conviver em família, seja pelo matrimônio, seja pela união estável, é importante considerar que o regime de bens adotado sempre reverberará no futuro, com diferentes efeitos jurídicos, ao findar da relação afetiva, independentemente se pelo divórcio/dissolução de união estável ou pela morte de um dos parceiros.